5.6.10


"É assim a vida do homem moderno nas grandes cidades: solteiro, condomínio fechado, mulher-a-dias que trata como uma mãe ou um amor impossível. Roupa de última hora na 5 à Sec, às vezes a baínha feita no Cort&cose. Não há grandes laços com ninguém. Do take-away fino leva-se a comida pronta. Já o conhecem. O homem moderno, roupa de marca, porte de atleta muito trabalhado no ginásio ali perto, não precisa de mais nada para ser feliz. E quem precisaria?

Obviamente, ao fim-de-semana pode haver uma miúda mais frequente a dormir lá em casa. Mas não têm uma relação. Nem pensar. Ele tenta não se lembrar de nada sobre ela (e não precisa de fazer um grande esforço). Ela, claro que o queria como homem para o resto da vida dela...

Este homem moderno, sempre tão bem disposto (o que o arreliará com a vida tão pronta a consumir?), de vez em quando surpreende-se no trabalho a pensar na rapariga do fim-de-semana. Ou seja, tipos assim também sentem, mas não sabem. São tão auto-suficientes que conseguem surpreender-se a eles próprios com momentos assim: «Estou a pensar nela, caramba, sou especial!»

Eu não queria um namorado assim (ele também não me queria, é certo). Estes tipos que parecem estar tão bem com a vida, têm fragilidades e, quando as têm, telefonam à rapariga de fim-de-semana. E ela fica contente por pensar que afinal, é mais do que a sobremesa do jantar de sábado. Mas não é. É só um tapa-buracos afectivo. Um remendo que tapa o pneu da bicicleta.

As mulheres já podiam viver nestes condomínios fechados mas, coitadas, às mulheres pode acontecer sempre tudo: serem assaltadas, engravidarem do estafeta das pizzas, aparecerem no YouTube nuas na varanda. Uma mulher sozinha é sempre dramático. Vê-se um tipo no restaurante com a filha pequena e passa-se o resto da refeição a babar p'ra cima do prato. «Que giro! Que pai! Que dedicação às crianças!» E ele come imperturbável a sua refeição, falando com a filha sem ceder aos olhares de gula que atravessam o restaurante. A seguir vai com a criança passear junto à praia, comem um gelado, e as mulheres que o observam já estão dispostas a lavar-lhe a roupa para o resto da vida. (A ele e ao infante ranhoso que nunca lhe vai chamar mãe...)

Se o cenário for exactamente o mesmo, mas tiver como protagonista uma mulher, as coisas serão muito diferentes: «Coitada! Mais uma tipa divorciada e com filhos... é pá, é bem boa, mas com crianças não!»... A «pobre» mulher solteira segue depois para o mesmo passeio mas, tirando a ternura com que a filha a olha, ninguém mais, para além do tipo dos gelados, olhou para ela.

As coisas são assim mesmo. Os condomínos separam homens de mulheres. Mulher não entra, a não ser para dormir acompanhada e sair quando ele quiser.

Agora que penso em tudo isto (com excepção do próprio condomínio, que não me agrada), a vida dos solteiros é invejável. Claro que, normalmente, só descobrimos isto depois de estarmos casados.

O calvário da separação parece coisa que não se ultrapassa, mas começa logo tão bem, com um deles a sair de casa quase sem nada, o que é uma grandessíssima vantagem: temos a mania de nos agarrarmos às coisas quando precisámos de tão pouco para sermos felizes. Ou seja, vamos de mãos a abanar, prontos para dar a quem quisermos. No caso deles, é só a mulher-a-dias, quando lhe têm que pagar...

Meu Deus, e porque não há homens-a-dias? Parece-me que o segredo para uma vida de mulher emancipada, começará quando houver homens a dias (heterosexuais...). A partir daí vamos precisar de muito pouco para viver sozinhas, para brilharmos na nossa solidão consentida.

Até lá vamos ter que gramar com os charmosos dos divorciados a dar o gelado à filha (no fim-de-semana de 15 em 15 dias) enquanto elas, mesmo sem filhos, não têm hipóteses...

Oh God, make me good, but not yet! "




A hora dos gelados, in "O Sexo e a Cidália"