31.7.12

A realidade Portuguesa.

"Os Enfermeiros são o verdadeiro sangue da vida hospitalar"



"Leio e envergonho-me. Responsáveis da saúde conferiram a uma empresa privada a adjudicação de um contrato de fornecimento de enfermeiros. Assim, como se fornecessem salsichas para um refeitório. A empresa põe os enfermeiros a trabalhar... nos serviços de saúde e paga a cada um deles, por hora de trabalho, 3,95 euros à hora. Não sei quanto fica para a empresa a contratação por cabeça, mas seguramente o cansativo e diligente trabalho do intermediário terá que ficar com uma boa parte da remuneração contratada. No fundo, o que os serviços de saúde fizeram foi contratar intermediários. A 3,95 euros à hora estes subalugam escravos ou semi-escravos dependentes dessa miséria para sobreviverem.
Foi a doença e o hospital, que por várias vezes pontuaram a minha vida, que me fizeram conhecer a vida e o trabalho da enfermagem. As horas intermináveis de serviço, a atenção... cuidada aos doentes, a capacidade de sorrir e animar um paciente mesmo quando o cansaço já se lhe adivinha nos olhos. A atenção profissional aos sinais clínicos, às campainhas, aos gemidos de dor, a insónia para que aqueles que cuidam possam descansar, os actos clínicos cautelosos, explicados, rigorosos, cumprindo-se enquanto profissionais e cidadãos. São a parte mais decisiva de toda a organização do sistema de saúde. Nas suas mãos morrem muitos. Das suas mãos renascem para a vida muitos mais, enquanto o médico chega ou não chega. São o verdadeiro sangue da vida hospitalar. O apoio primeiro. O primeiro olhar. E, por vezes, a última palavra. São homens e mulheres com as mãos mergulhadas na dimensão maior da sua existência, reparando, tratando, cuidando de doentes, de convalescentes, de moribundos. Nunca lhes agradeceremos tudo aquilo que merecem, centrado que está o olhar nas decisões do médico. Mas são a essência das nossas expectativas de sobrevivência quando nos confrontamos com a doença. Pagar-lhes 3,95 euros à hora não é apenas tratá-los mal. É sujeitá-los à humilhação e à miséria. É transformar seres humanos, superiormente qualificados, em indigentes a quem se dá a esmola para que não morram de fome. É uma vergonha que os envergonha e nos envergonha. É um País não ter respeito por si próprio embora esteja de braços abertos ao intermediário. Aos parasitas. Um estado que permite isto deveria ser pago à vergastada."


 Por Francisco Moita Flores